Despropósito Vespertino
Eu caminhava numa tarde
Em franco combate
Ao sol.
Ou quem sabe gracejo,
Porque sol de inverno,
E eu, igualmente, tampouco hostil.
Aos ouvidos, sussurava a máquina
Uma chuva ao piano d'um falecido de XIX.
Era ironia, pois sol ao olhos e chuva aos ouvidos;
Chuva que, ofuscada a vista pela luz,
Gotejava
Em tons de roxo e violeta.
Sinestesia
Que eu sentia e trazia graça.
Logo adiante, árvores magricelas
Cujas folhas igualmente abraçadas ao manto
amarelo dançavam ao vento em cor verde-ouro.
O caminho era cimento, com concessões de sustentabilidade:
Cinismo demasiado humano.
Parei.
Minha canina-filha pastava;
Eu, canino-homem, me pus a vigiar vizinhanças.
Por aqui, formiguinhas carregavam uma cascuda.
Matada ou morrida?
Banquete certo.
Acolá, crianças viviam uma aventura,
Com direito a berros e travessura.
Tudo conforme as conformidades, mas
Debussy ainda chovia aos ouvidos,
Com uma calma que gracejava diante da
Morte, do banquete e da travessura.
Toda tensão do singular
Tornada beleza pelo piano,
Que atravessava Tudo e
Tornava
Um em chuva serena,
Sem distinguir cabeças ao banhar.
O sol, travesso, derramava-se com igual democratismo.
Tudo foi riso;
Passeio de Sofia,
Onde enigmas inúteis
Nus
Em despropósito vespertino.

Foto: Caroline Bridges
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Alves Maria
Rapaz sério, estudante de Direito, gosta de Filosofia, Literatura, Niilismo e outras coisas riquíssimas em utilidade. Também é socialista autocrítico, mas alérgico a messianismo e projetos políticos fundados em sonho."